Uma fazenda que abriga um parque de vaquejada na Bahia com dezenas de
bois e vacas cercados por coqueiros e, a 8 km de lá, um sítio rodeado por casas
e pequenos estabelecimentos comerciais foram os dois últimos esconderijos do
miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, 43, ligado ao senador Flávio Bolsonaro,
antes de ser morto no domingo (10) durante operação policial.
O cenário em Esplanada (a 170 km de Salvador) que serviu de abrigo ao
ex-capitão do Bope do Rio foi descoberto pela ação conjunta das polícias baiana
e fluminense, mas expõe uma série de dúvidas sobre a rede que deu suporte a
Adriano e sobre a própria versão oficial da morte dele, que estava foragido
havia um ano.
Os esconderijos e a rota de fuga indicam que Adriano recebeu ajuda, mas
os donos dos imóveis, um pecuarista e um vereador do PSL, negam vínculo com ele
e conhecimento de que se tratava de um miliciano do Rio foragido da polícia.
Segundo a versão oficial, Adriano tinha em sua mão uma pistola austríaca
9 mm e foi baleado após reagir a tiros contra a polícia. O miliciano estava
sozinho em um terreno cercado. Nesta segunda (11), moradores disseram à Folha
que a ação foi rápida, com barulho de tiros por pouco tempo. A reportagem
identificou apenas uma marca de bala dentro da casa, em uma janela de madeira
seguindo a trajetória de dentro para fora.
O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), e a polícia da Bahia, ligada
ao governo Rui Costa (PT), elogiaram a operação policial. O secretário de
Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, disse, porém, que haverá um
inquérito da Corregedoria da Polícia Militar para apurar as circunstâncias da
morte do miliciano.
Enquanto isso, a proteção da cena onde Adriano morreu segue precária
—situação prejudicial para investigações policiais. O portão principal do sítio
em Esplanada estava fechado com uma corrente nesta segunda, mas havia espaços
abertos na cerca de arame farpado, e a porta da casa estava aberta, sem
isolamento.
Homenageado duas vezes na Assembleia Legislativa do Rio por Flávio
Bolsonaro, Adriano é citado na investigação que apura a prática de “rachadinha”
(esquema de devolução de salários) no gabinete do então deputado estadual. O
miliciano teve duas parentes nomeadas por Flávio.
O advogado de Adriano disse que ele relatou a preocupação nos últimos
dias de que pudesse ser morto como “queima de arquivo”.
O empresário e pecuarista Leandro Abreu Guimarães, dono da fazenda e
parque de vaquejada Gilton Guimarães, também foi preso durante a operação das
polícias da Bahia e do Rio sob acusação de porte ilegal de armas —ele tinha
duas espingardas e um revólver não registrados.
Em depoimento, ele confirmou que Adriano utilizou sua propriedade como
seu penúltimo esconderijo, segundo a Folha apurou. O ex-capitão, segundo ele,
chegou à região de Esplanada no final de 2019 afirmando que estava em busca de
fazendas para comprar.
Leandro e Adriano já se conheciam do circuito de vaquejadas, conforme a
versão do pecuarista. Herdeiro da terceira geração de uma das principais
fazendas de criação de gado da região, Leandro costumava abrigar uma vaquejada
anual na fazenda e participava de competições em outras cidades do Nordeste.
O pecuarista afirmou à polícia que conhecia Adriano como um criador de cavalos e disse que não sabia que ele era um foragido da Justiça nem envolvido com crimes.
O pecuarista afirmou à polícia que conhecia Adriano como um criador de cavalos e disse que não sabia que ele era um foragido da Justiça nem envolvido com crimes.
Segundo Leandro, Adriano aparentava nervosismo na véspera de sua morte
e, sob ameaças, ordenou que fosse levado ao sítio do vereador Gilsinho de Dedé
(PSL), um dos que havia sido alvo do suposto interesse do ex-policial.
À Folha o vereador afirmou que seu sítio, onde Adriano acabou sendo
morto, não está à venda. Mas afirmou que, há cerca de dois meses, seu imóvel
foi visitado por um corretor de imóveis da região.
Leandro disse que, diante das ameaças, levou Adriano ao sítio de
Gilsinho de Dedé na noite de sábado (9). Nos 8 km que separam a fazenda do
sítio do vereador, metade do trecho é percorrido por uma estrada de terra,
parte na rodovia BR-101 e parte na BA-233 —estrada que leva ao município
vizinho de Acajutiba. O sítio fica logo no início da rodovia estadual, no
povoado de Palmeira.
O imóvel fica na área urbana do povoado. O cenário da casa indica certo
nível de organização de Adriano ao se dirigir ao local. Na mesa da cozinha da
casa do sítio, havia uma garrafa térmica com café e pães ainda relativamente
frescos. Em um dos quartos havia um colchão. O outro servia como um depósito de
sal para animais.
Vizinhos do imóvel afirmam que não viram nenhuma movimentação estranha
no local na noite de sábado. E confirmam que a casa era pouco visitada por seu
dono, Gilsinho de Dedé. Não há caseiro fixo no local, que era visitado
esporadicamente por um funcionário do vereador do PSL —partido pelo qual Jair e
Flávio Bolsonaro foram eleitos em 2018, mas saíram no final do ano passado para
criar um novo, a Aliança pelo Brasil.
Gilsinho disse à Folha ter sido surpreendido pela presença do miliciano
no local —alegou que não o conhecia e que fazia de 15 a 20 dias que não
frequentava seu sítio.
A operação que resultou na morte de Adriano ocorreu na manhã de domingo.
Moradores estranharam a presença da polícia, já que a área é pacata e não
costuma registrar casos de violência. Na casa, manchas de sangue seguiam nesta
segunda no piso da sala.
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia disse que um homem suspeito
de trabalhar como segurança de Adriano entregou à polícia o esconderijo. Ele
teria sido preso em um imóvel com um revólver e duas espingardas e, depois,
informado à polícia onde Adriano estava.
As polícias dos dois estados já haviam tentado capturar Adriano no dia
1º, num condomínio de luxo em Porto do Sauípe (BA), mas só encontraram a mulher
e a filha dele.
O secretário da Segurança da Bahia disse pedir respeito ao trabalho da
polícia, “que se colocou em perigo para cumprir o mandado”. Para Barbosa, se
não foi um desfecho como esperado, “pelo menos, não se está lamentando a morte
de nenhum policial”.
“Colocamos a investigação à disposição de quem quer que seja, para
refutar, completamente, o aspecto político que estão querendo dar a uma ação
típica de polícia”, afirmou, em uma gravação. “Não há nenhum interesse por
parte da SSP, por parte da PM, em esconder qualquer crime cometido por Adriano
ou pela sua quadrilha.”
O governador do Rio disse que foi obtido um “resultado que se esperava”.
“Chegamos ao local do crime para prender, mas, infelizmente, o bandido que ali
estava não quis se entregar. Trocou tiros com a polícia e infelizmente
faleceu.”
Em referência a um meme criado pela torcida do Flamengo no ano passado,
Witzel ainda disse que a Polícia Civil do Rio “mostrou que está num outro
patamar”.
O sociólogo e estudioso das milícias José Cláudio Souza Alves questiona
a ação policial.
“Uma operação de cerco lida mais com espera, controle e dissuasão do que
com um confronto direto”, afirma Alves, professor da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro “Dos Barões ao Extermínio – Uma
História da Violência na Baixada Fluminense” (APPH, 2003), em que remonta as
origens das milícias do Rio a partir de grupos de extermínio que atuam desde os
anos 1960.
“Estamos falando de um quadro simplificado: um cerco a uma casa no
campo. Investiram recursos públicos para desembocar naquilo que é o oposto do
desejável. Não dá para falar em operação policial de inteligência, mas sim de
estupidez e de ignorância.”