Um
tuíte do ator José de Abreu em que ele insinuou uma comparação da primeira-dama
do estado de São Paulo, Bia Doria, a uma vaca levou o artista a ser condenado a
pagar uma indenização de R$ 50 mil à esposa do governador João Doria (PSDB).
O juiz Douglas Iecco Ravacci, da 33ª Vara Cível da Comarca de São Paulo,
decidiu que Abreu deverá fazer o ressarcimento por dano moral por causa de uma
mensagem de 2016 em que afirmou: “STF proíbe vaquejada mas permite que a Bia
Doria dê entrevista? é um crime contra os animais…”.
Cabe recurso. Pela decisão do magistrado, o réu também terá que arcar
com o pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários
advocatícios de 10% do valor atualizado da condenação.
Procurados nesta quinta-feira (24), Abreu e Bia não se manifestaram até
a publicação deste texto.
Como a Folha mostrou em dezembro, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São
Paulo) tentou por mais de dois anos citar o ator (comunicá-lo oficialmente)
para que ele se defendesse no processo, mas os oficiais não conseguiram
encontrá-lo nos endereços obtidos pelo Judiciário.
Na ocasião, o governador foi ao Twitter criticar o detrator da esposa.
“Vejam até onde vai a covardia do Zé de Abreu”, afirmou Doria. “Um notório
ativista da esquerda e defensor do Lula. Que desrespeita mulheres, cospe na
cara das pessoas e, após condenado, foge covardemente da Justiça”, escreveu.
Em maio deste ano, o juiz do caso determinou que Abreu fosse citado por
meio de edital público, “tendo em vista que restam exauridos todos os meios
disponíveis para localização do requerido”.
Depois disso, o réu —que agora mora na Nova Zelândia— passou a responder
à ação e apresentou seus argumentos. A defesa do ator sustenta que ele apenas
se valeu do direito à liberdade de expressão.
Para o magistrado, contudo, o princípio não se aplica ao caso. “Não foi
uma crítica, nem uma piada ruim”, escreveu na sentença, de 16 de setembro.
Ravacci afirmou que o texto consistiu em “verdadeira ofensa pessoal” e
que a repercussão negativa causou dano à artista plástica e hoje presidente do
conselho do Fundo Social de São Paulo (braço do governo para programas
sociais).
Abreu fez a postagem no mesmo dia em que a Folha publicou entrevista com
ela sobre a eleição de Doria para a prefeitura da capital. Declarações da
primeira-dama tiveram uma repercussão tão negativa para o tucano que Bia foi,
depois disso, blindada de contato com a imprensa.
Ela comparou a favela de Paraisópolis (na zona sul da capital) à
Etiópia, disse que “quase nunca” havia ido ao Minhocão (na região central) e
que se orgulhava de ajudar os assistentes de seu ateliê: “Consegui casa para
todos eles, dei dentes para eles, dei um plano de saúde bom”, afirmou.
O que levou a primeira-dama a ingressar com o processo foi o fato de o
ator ter associado o nome dela à vaquejada —corrida entre dois vaqueiros
montados a cavalo que tentam derrubar um boi—, prática considerada
inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em um julgamento em 2016.
Bia afirmou que o tuíte maculou sua reputação e honra. E recorreu à
Justiça para que o post fosse apagado, no que foi atendida. Ela pediu
inicialmente indenização de R$ 100 mil e prometeu doar o valor a entidades de
assistência social.
Na decisão, o juiz concordou com a tese da primeira-dama de que o ator efetivamente
a chamou de vaca e disse que se trata de “expressão ofensiva utilizada contra
mulheres”.
Segundo o magistrado, Abreu usou “uma construção de frases sem a mínima
coerência” para fazer o comentário, que teve alcance ampliado pelo fato de ele
ser um influenciador nas redes sociais, com quase 500 mil seguidores no
Twitter.
“As críticas, tanto à proibição da vaquejada quanto às declarações da
autora, poderiam ser feitas de inúmeras maneiras, inclusive com espírito jocoso
ou por meio de piada, mas tendo por objetivo as declarações, e não a pessoa que
as fez, muito menos equiparando-a um animal”, escreveu.
Em sua defesa, Abreu afirmou nos autos que fez a postagem “com intenção
humorística e irônica”, mas não pretendeu ofender a esposa de Doria. Sustentou
que ela, como pessoa pública, está mais sujeita a críticas e que não houve dano
moral, mas “mero desconforto subjetivo não indenizável”.
“Sou um comediante, eu faço piada”, disse o ator à Folha em dezembro.
“Eu tenho direito de me expressar. Não vou perder uma piada por medo de
processo. […] A Justiça tem mais o que fazer do que ficar perseguindo ator. Não
sei que prejuízo moral eu dei à dona Bia Doria. Eu não vou parar de falar.”
Sobre a dificuldade dos oficiais em encontrá-lo, ele afirmou que sempre
esteve à disposição da Justiça e que seu local de trabalho é conhecido. O ator
gravou novelas e séries na TV Globo desde o início do processo. Em junho deste
ano, ele anunciou que não tem mais contrato fixo com a emissora.
O juiz do caso rejeitou o pedido de Bia para que Abreu ficasse impedido
de voltar a utilizar indevidamente o nome e a imagem dela. Para o magistrado,
acatar a solicitação seria aceitar censura prévia, o que é vedado pela
Constituição. Ele lembrou que eventuais abusos devem ser discutidos posteriormente.