Quatro minutos e 58 segundos. Esse
foi o tempo exato – desde a autorização do coveiro à colocação da coroa de
flores na sepultura – que Alexandre Pereira, de 32 anos, teve para se despedir
da mãe, vítima da Covid-19, na tarde de sábado (15/1), no cemitério Nossa
Senhora Aparecida, em Manaus (AM).
Durante esse tempo, Alexandre assistiu de perto a um pequeno
grupo de sete funcionários do cemitério levar o caixão para uma das covas da
nova ala para vítimas da Covid-19, que fora aberta minutos antes, por uma
retroescavadeira. O caixote é posto no buraco, e logo a máquina é acionada
novamente para encobrir a vala com terra.
Antes, no
entanto, o filho, que segurava a coroa com flores amarelas e rosas em uma das
mãos, se agachou, pegou um pouco da terra molhada (chovera por alguns minutos
no início da tarde em Manaus), e jogou sobre o caixão.
Em seguida,
foram necessárias apenas nove dentadas da retroescavadeira, feitas em um
período de três minutos e 15 segundos, para encobrir a vala recém-aberta. Foi o
tempo necessário para Alexandre trocar uma das flores rosas de lugar, em um
último detalhe, e deitar a coroa sobre o monte de terra.
Toda a cena foi acompanhada pela tia
e pelo irmão de Alexandre, que gravou um vídeo para registrar a despedida e
repassar a parentes, uma vez que um decreto publicado pela prefeitura de Manaus restringiu a entrada de pessoas nos
cemitérios para apenas três parentes por vítima. Famílias chegam a recorrer a videochamadas.
Com nome e sobrenome de santa, Maria de Fátima, a mãe de
Alexandre, tinha 58 anos e sonhava em se aposentar para “viver a velhice” no
interior do Amazonas, em Canutama, uma cidade com pouco menos de 16 mil
habitantes, onde ela nasceu e cresceu. O desejo dela, no entanto, foi
interrompido pela Covid-19.
Maria de Fátima
morreu na madrugada de sábado, internada no Hospital Delphina Aziz, na zona
norte da capital do Amazonas, para onde foi transportada diretamente da Unidade
de Pronto Atendimento (UPA) Campos Sales, na zona oeste. Ela morreu por
insuficiência respiratória, após faltar oxigênio na capital.
Além de Maria de Fátima, outras 201 pessoas foram sepultadas ao longo de sábado, em Manaus, segundo dados da prefeitura. Dessas, 102 foram vítimas da Covid-19. O número total só não é maior que o registrado na sexta-feira (15/1), quando 213 enterros foram registrados na capital, recorde desde o início da pandemia.
O número de mortes pela doença tem crescido diariamente, com o
aumento de casos do novo coronavírus, e a consequente elevada taxa de ocupação
nos hospitais da capital, onde ambulâncias são usadas como leitos de UTI e
pacientes são tratados em casa. E tudo isso agravado pela escassez de oxigênio,
suprimento essencial para o tratamento da Covid-19.
O sistema de
saúde de Manaus colapsou, literalmente. Pacientes estão sendo transferidos a outros estados devido à falta
de oxigênio na capital – o que ajuda, inclusive, a abrir espaço
nos hospitais para um cada vez mais difícil tratamento da doença. Nas portas
das unidades de saúde, famílias pedem desesperadamente por socorro.
Esse drama também tem feito parte da rotina da jovem Stéfany
Anselmo, de 20 anos. Ela enterrou a avó, Lídia de Souza, de 67, vítima da
Covid-19, no fim da tarde de sábado, no cemitério Nossa Senhora Aparecida, a
poucos metros de distância da cova onde foi enterrada Maria de Fátima, a mãe de
Alexandre.
Lídia de Souza,
no entanto, já era aposentada, e cuidou da neta por todo o tempo em que
estiveram juntas – sobretudo quando Stéfany ganhou uma filha, há um ano e três
meses. A mulher estava internada desde o último dia 10 de janeiro no hospital
Platão Araújo, após ser diagnosticada com o novo coronavírus.
“Ela vai fazer
muita falta”, sintetiza a neta, com um rosto lavado por lágrimas, ao
interromper a conversa para pegar de prontidão o lenço que estava sobre o ombro
dela e que um forte vento acabara de levar. O pano, branco com desenhos
cor-de-rosa, pertencia à filha de Stéfany, o maior elo que tem com a avó.