A tentativa do governador de São Paulo, João Doria, de enquadrar o PSDB em torno de seu projeto presidencial abriu uma crise no partido e deverá antecipar o debate sobre a candidatura tucana de 2022.
Em um tenso jantar com integrantes da cúpula do partido no
Palácio dos Bandeirantes, Doria apresentou um plano para assumir a presidência
tucana em maio. Com isso, poderia controlar a sigla no ano que antecede a
campanha eleitoral, inclusive a divisão de verbas para candidaturas estaduais.
A proposta foi apresentada por aliados de Doria presentes, como
o secretário Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional, que também é presidente
do PSDB-SP), e o presidente da Assembleia Legislativa, Cauê Macris.
Na
mesa estava Bruno Araújo, atual presidente da sigla, que não sabia da ideia e
contava com uma prorrogação por mais um ano de seu mandato.
O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que representava a velha
guarda do partido no encontro, após considerar faltar a ele, afirmou que Doria
caminharia para uma derrota certa se insistisse no plano.
Patrono do grupo, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não apareceu e marcou uma reunião com
Doria para esta quinta-feira, 11.
Falou contra a ideia o líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de
Castro (MG), aliado do deputado Aécio Neves (MG), apontado por Doria como o
responsável pelo racha na bancada na eleição para o comando da Câmara, na
semana passada.
Cerca de metade dos 31 deputados votou para presidente da Casa
em Arthur Lira (PP-AL), o líder do centrão e nome do presidente Jair Bolsonaro
na disputa.
Castro foi seguido por Bruno Covas, o prefeito da capital
paulista, que previu que Doria não teria apoio fora de São Paulo à sua
pretensão.
“Embaixador” de Doria em Brasília, o ex-ministro Antonio
Imbassahy ponderou que seria importante, com o processo eleitoral de 2022 já em
curso, o PSDB já definir Doria como seu candidato a presidente, uma vez que
seria o nome natural da sigla.
Também participaram do encontro Wilson Pedroso (secretário
particular de Doria) e o deputado Samuel Moreira (SP), aliado do ex-governador
Geraldo Alckmin.
O jantar, que deveria durar cerca de três horas e acabar às 23h,
só foi finalizado por volta da 1h da terça. Ligações disparadas na madrugada
davam conta do estrago potencial: foi organizada, em grupos de WhatsApp, uma
ida de deputados tucanos para o Rio Grande do Sul.
A viagem deve ocorrer
nesta semana para pedir que Eduardo Leite, governador tucano do estado, se
assuma como postulante à Presidência.
Seu nome é sempre citado nesse tipo de articulação e conta com a
simpatia de FHC e de Covas, por exemplo, ainda que seja visto como um nome
“júnior” em qualquer disputa. Aliados de Doria creem que o movimento pode ser
bom para o tucano, pois forçaria a comparação de densidades eleitorais.
Um interlocutor do prefeito paulistano foi mais pessimista e
afirmou que o movimento de Doria pode ter garantido a realização de prévias
dentro do PSDB –ou até aberto o caminho para que ele deixe a sigla, algo que
seu grupo descarta agora.
Já um aliado do governador amenizou a situação, afirmando que o
peso natural do cargo e sua projeção nacional como principal antagonista de
Bolsonaro na condução da crise da pandemia farão a sigla repensar o plano e que
o jantar era apenas um começo de conversa.
Como o jornal Folha de S.Paulo revelou na segunda, 8, o ultimato
de Doria ao PSDB incluía o pedido de afastamento de Aécio e de deputados do seu
grupo.
O deputado Rodrigo de Castro desaconselhou tal movimento,
lembrando que a Executiva Nacional do partido já decidiu manter o mineiro no
PSDB em 2019, na esteira da revelação do áudio em que ele pedia dinheiro ao
empresário Joesley Batista.
Na manhã desta terça, em público, Doria mais uma vez voltou as
baterias contra Aécio e focou no discurso de união. Afirmou que quer seu
afastamento e disse que, se algum tucano apoiar Bolsonaro, deve “ter dignidade
e coragem, e pedir para sair”. O tucano respondia a uma questão sobre Aécio.
“A posição do PSDB é de oposição. Os que quiserem fazer
vassalagem para Bolsonaro que peçam para sair. Você não pode ter dissidência na
defesa da vida, da democracia, do meio ambiente, da saúde”, disse Doria em um
evento pela manhã em São Paulo. Ele fez questão de dizer que sua posição tinha
“a anuência do presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso”.
Outra ideia de Doria, essa
com apoio no PSDB, é a de absorver o grupo do ex-presidente da Câmara Rodrigo
Maia (RJ), que vai deixar o DEM após o presidente da sigla, ACM Neto (BA), ter
liberado a bancada federal para votar em quem quisesse na Câmara.
Aliado de Doria até aqui, o DEM implodiu no processo eleitoral
legislativo, com acusações mútuas entre os dois caciques. Maia apoiava Baleia
Rossi (MDB-SP) contra Lira, com a ajuda de Doria.
Por pouco, o próprio PSDB também não liberou sua bancada. Mesmo
ficando no bloco de Baleia, estima-se que pelo menos metade de seus 31
deputados votaram secretamente em Lira.
Os representantes da Câmara argumentam que não houve um
alinhamento a Bolsonaro, mas sim uma necessidade de sobrevivência da bancada,
que depende de verbas de emendas parlamentares liberadas pelo Planalto para
atender suas bases eleitorais e tentar se reeleger.
Doria manteve sua posição de que não é possível servir a dois
senhores nesse caso, e que os tucanos não podem ser ambíguos na sua relação com
Bolsonaro. Evitou, claro, associ ar essa ordem unida à sua candidatura, embora
essa seja a lógica prevalente.
Doria e Aécio se estranham desde 2019, quando o grupo do
governador tentou expulsá-lo do PSDB, sem sucesso.
Hoje o tucano é o maior
rival do presidente, com a disputa focada no manejo da pandemia, desprezada por
um bom tempo por Bolsonaro. Doria apostou tudo na vacina sino-brasileira
Coronavac, por sua vez, e a vê como ativo eleitoral para 2022.
O
tucano sabe como essas divisões podem ser fatais: desde que FHC reelegeu-se em
1998, o partido só esteve perto de fato do poder no pleito de 2014, perdido no
olho mecânico por Aécio para Dilma Rousseff (PT), justamente porque havia uma união
inédita na sigla.
Enquanto o psicodrama tucano segue, o governador irá receber em
jantar nesta noite de terça ACM Neto.
O presidente do DEM está tentando consertar o dano de imagem de
sua rusga com Maia e convencer aliados de que não vai se aliar a Bolsonaro em
2022, apesar das declarações dúbias.
E principalmente quer tentar manter o vice de Doria, Rodrigo
Garcia, no partido. A missão parece ainda mais difícil do que a do repasto da
noite anterior.