Cercada de controvérsia, a
relação entre a companhia de telefonia Oi e Fábio Luís Lula da Silva, filho do
ex-presidente Lula, hoje investigada na Lava Jato, atingiu uma fase de disputa
entre as partes.
A tele cobra da
Gamecorp S.A., que tem o filho do petista como principal administrador, o
pagamento de R$ 6,8 milhões com origem em empréstimos feitos entre 2006 e 2007
e nunca ressarcidos.
Por meio de
notificação extrajudicial, a Oi, que está em recuperação judicial desde 2016,
informou, em duas ocasiões, entre 2018 e 2019, que o pagamento deveria ser
feito, sob pena de a empresa “tomar as providências judiciais cabíveis”. O
ofício mais recente é de setembro do ano passado.
Ambas as
comunicações foram apreendidas pela Polícia Federal durante a fase Mapa da Mina
da Lava Jato, que foi deflagrada em dezembro passado e apura se dinheiro
repassado pela tele a sócios do filho de Lula foi usado para comprar o sítio de
Atibaia (SP).
A propriedade
rural era frequentada pelo petista e foi reformada pelas empreiteiras OAS e
Odebrecht.
A Oi injetou na
Gamecorp, de 2004 a 2016, em valores não atualizados, um total de R$ 82,8
milhões (valores não corrigidos), e possuía participação societária de 35%.
A força-tarefa
da operação suspeita que esses recursos, também repassados a outras empresas
associadas e a firmas de sócios de Fábio Luís, tivessem sido propina. A Receita
Federal, por exemplo, já afirmou que a Gamecorp não possuía a mão-de-obra e
ativos necessários para produzir os serviços vendidos.
A empresa era
responsável pelo canal de televisão paga PlayTV, com programação musical e de
jogos.
Os empréstimos
que motivaram a cobrança foram feitos por meio de contratos, à época, para
“permitir o desenvolvimento de suas operações financeiras”. Originalmente, os
cinco empréstimos somavam R$ 1,65 milhão. A tele informou no ano passado que o
cálculo atual incluía juros e multa.
A iniciativa de
pedir o ressarcimento ocorre muitos anos depois do vencimento. Em relatório
anexado à investigação, analista da Polícia Federal ressalta o fato de que,
“não obstante o vencimento destes contratos ter ocorrido nos anos de 2007 e
2008”, nenhum deles foi efetivamente pago pela Gamecorp.
Os papéis
apreendidos, porém, mostram que, em outro braço da relação Oi-Fábio Luís, o
filho do ex-presidente é reconhecido como credor da empresa. Em documento
assinado em 2017, o filho do petista e representantes da companhia de telefonia
reconhecem que a Gamecorp tinha R$ 1,2 milhão a receber.
Além da
cobrança extrajudicial, os papéis apreendidos também mostram que a tele, por
ocasião do pedido de recuperação judicial, pediu para encerrar contratos que
tinham sido firmados anos antes com a Gamecorp.
Há documentos
da Oi manifestando a intenção de romper os acordos em três deles, relativos à
operação do canal Oi TV e licenciamento de produtos pela firma administrada
pelo filho do ex-presidente.
A recuperação
judicial da Oi, pedida em junho de 2016, foi considerada a maior da história do
país, diante da dívida estimada à época em R$ 65 bilhões.
A recuperação
judicial é um recurso pedido por empresas que não conseguem pagar suas dívidas,
para evitar que credores peçam a falência delas.
Em 2017,
assembleia de credores aprovou um acordo de recuperação da empresa,
posteriormente aceito também pela Justiça do Rio, onde corre o processo.
Os elos entre o
filho do ex-presidente com a tele foram investigados pelo Ministério Público
Federal em São Paulo, mas a apuração acabou arquivada.
No âmbito da
Lava Jato no Paraná, a relação entre as empresas voltou ao foco de
investigadores em decorrência da suposta ligação com o caso do sítio de
Atibaia, que já originou um dos processos em que Lula foi condenado por
corrupção e lavagem de dinheiro.
Conforme a
Folha mostrou na semana passada, um dos elementos da investigação sobre a Oi e
o filho de Lula são materiais do ex-empreiteiro Otávio Marques de Azevedo.
Ex-presidente da holding Andrade Gutierrez e atuante no setor de
telecomunicações, ele se tornou delator da Lava Jato em 2016, mas voltou a ser
alvo de mandados de busca em dezembro passado.
A reportagem
procurou a Oi para comentar o assunto, mas a companhia não se manifestou
especificamente sobre a questão. A respeito da investigação, disse que “não tem
medido esforços para assegurar que quaisquer ações que eventualmente possam ter
prejudicado a companhia sejam integralmente apuradas”.
A Folha
questionou também a defesa de Fábio Luís, que não comentou especificamente a
questão dos empréstimos. Disse, por meio de nota, que a vida de seu cliente e
atividades de suas empresas foram “devassadas por anos a fio e nenhuma
irregularidade foi encontrada”.
“Essa nova
safra de suspeitas e ilações vazadas sugere uma estratégia clara da
força-tarefa para requentar um caso encerrado, a fim de tentar fixar
artificialmente sua competência para conduzir uma nova investigação. Há quase
um mês, papéis apreendidos em endereços de sócios de Fábio Luís estão sendo
vazados seletivamente, quase todos os dias.”
EMAILS DA OI
TRATAM REPASSES A SÓCIO COMO PROJETO POLÍTICO
O material recolhido na fase Mapa da Mina da Lava Jato também inclui mensagens
interceptadas que mostram que pagamentos para um dos sócios de Fábio Luís eram
tratados dentro da Oi como “um projeto político”, fora “da prestação de
serviços tradicional”.
Relatório da PF
anexado aos autos traz emails trocados entre 2011 e 2012 sobre a parceria da
tele com a Gol Mobile, uma das empresas de Jonas Suassuna, sócio de Fábio Luís
na Gamecorp e um dos compradores do sítio de Atibaia frequentado por Lula.
Em janeiro de
2012, o executivo Francisco Santanna, que diz ser indicado para fazer o
relacionamento da tele com Suassuna, afirma a um colega: “Até clientes (no caso
a Prefeitura do Rio) estão nos cobrando que a gente pague ao parceiro, por mais
absurdo que isso pareça”.
Dias depois,
Santanna é questionado em mensagem ainda sobre a formalização desses pagamentos
por meio de contratos e afirma: “Foram projetos políticos com o governo,
fechados verbalmente com a diretoria antiga da Oi”.
Ele também
acrescenta: “O parceiro fez a venda ao cliente final e a Oi foi o canal de
faturamento, não é uma prestação de serviços tradicional”.
O analista da
polícia, responsável pelo documento sobre a troca de emails, afirma que o teor
reforça a tese de que houve um “direcionamento político para a subcontratação”
da Gol Mobile.
A Gol Mobile,
de Suassuna, foi subcontratada à época pela Oi e pela Contax (ligada à
companhia de telefonia) para executar o serviço de queixas 1746, da Prefeitura
do Rio.
Os
investigadores da Lava Jato suspeitam da origem do dinheiro usado para adquirir
o sítio de Atibaia, em 2010, que teve Suassuna como um dos compradores.
A defesa de
Fábio Luís disse que ele não é sócio da Gol Mobile e que, portanto “não tem
qualquer relação com os negócios celebrados” por essa firma. Também criticou a
liberação desse material nos autos da operação.
O ex-prefeito
do Rio Eduardo Paes (DEM) e o ex-presidente Lula têm negado qualquer conduta
irregular envolvendo os negócios da Oi. O deputado federal Pedro Paulo (DEM),
que foi secretário municipal naquela época, afirmou em dezembro que quem define
eventual subcontratação são as empresas que vencem as concorrências.
A reportagem
procurou a defesa de Jonas Suassuna, mas não obteve resposta.
ENTENDA A
RELAÇÃO DA OI COM O FILHO DE LULA
Qual a suspeita dos investigadores?
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal suspeitam que diversos
repasses feitos pela Oi a empresas ligadas a Fábio Luís, o Lulinha, e a seu
sócio Jonas Suassuna foram realizados sem lógica econômica, apenas para
beneficiar familiares do ex-presidente Lula. Contratos comerciais de fachada
teriam sido firmados para dar aparência legal às transferências. Os
investigadores apontam o fato de que vários produtos não obtiveram resultado
comercial relevante
Qual o papel da
Gamecorp?
A empresa de Lulinha com seu sócio Jonas Suassuna recebeu R$ 82,8 milhões da Oi
no período que vai de 2004 a 2016. A tele também possuía 35% de participação
societária na Gamecorp. A Lava Jato suspeita que esses recursos tenham sido
propina
Qual a ligação
de Suassuna com o sítio de Atibaia?
Suassuna é dono de um dos dois terrenos que compõem o sítio em Atibaia (SP)
frequentado por Lula. A Procuradoria aponta que ele e Fernando Bittar, outro
proprietário, adquiriram o sítio usando parte de recursos injustificados das empresas
que administravam em conjunto com Fábio Luís
Por que a Oi
repassou todo esse valor, segundo a PF?
A PF e a Procuradoria vinculam o período em que os repasses às empresas de
Suassuna são feitos (2008 a 2014) com mudanças societárias na empresa de telefonia
que dependiam de decisões políticas ao alcance de Lula
Quais foram as
decisões que beneficiaram a empresa?
Um exemplo: a legislação proibia que uma empresa de telefonia fixa comprasse
outra em área diferente, o que impedia a compra da Oi pela Brasil Telecom. A
alteração na norma era discutida pela Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações) e se tornou viável após Lula assinar um decreto que pôs fim à
proibição.