Por
pressão de emissoras aliadas, o governo Jair Bolsonaro prepara medida
provisória para trazer de volta os sorteios de prêmios às TVs.
A pedido de Rede
TV!, principal interessada no negócio, Record, SBT e Band, o chefe da Secom
(Secretaria de Comunicação da Presidência), Fabio Wajngarten, articulou uma
reunião entre os principais executivos dos canais e o presidente para
convencê-lo a encampar a proposta.
Embora
tratativas sobre o tema sejam de competência do Ministério da Economia, o
encontro se deu no Palácio do Planalto, em 9 de dezembro, com a participação de
Amilcare Dallevo Jr., dono e presidente da RedeTV!, José Roberto Maciel,
presidente do SBT, Luís Cláudio Costa, presidente da Record, e Paulo Saad
Jafet, vice-presidente da Band.
Na sequência, a
Casa Civil começou a preparar a minuta de uma medida provisória. O texto foi
enviado ao Ministério da Economia e está pronto, aguardando a decisão de Bolsonaro
para ser publicado.
Procurados pela
Folha, Wajngarten, Casa Civil e a SAJ (Subchefia de Assuntos Jurídicos), órgão
responsável pelas medidas jurídicas do Palácio do Planalto, não se
manifestaram.
Procurada, a
Rede TV! disse que a reunião com Bolsonaro foi convocada pelo governo para
tratar de “assuntos do setor”. A emissora afirmou que “não se cogita a volta de
sorteios telefônicos 0900”. Record, Band e SBT não quiseram responder aos
questionamentos da reportagem.
A minuta, a que
a Folha teve acesso, é uma tentativa de resolver um impasse imposto pela
Justiça, que, no fim dos anos de 1990, proibiu sorteios na TV por considerá-los
nocivos ao consumidor.
As emissoras
agora miram a volta desse negócio como forma de gerar novas receitas.
Segundo relatos
de participantes da reunião, a RedeTV! atuou no encontro como porta-voz das
demais emissoras.
Nas conversas
com Wajngarten que antecederam a reunião com Bolsonaro, a RedeTV! disse que,
com a massificação da telefonia, o que era recorde de ligações no passado hoje
seria a média de um sorteio de prêmios de menor valor.
Hoje, com uma
média de 3 milhões de ligações, pico do passado, seria possível arrecadar ao
menos R$ 15 milhões. Descontando custos, impostos e contribuições, a emissora
embolsaria R$ 5,7 milhões.
Esse potencial
levou Wajngarten a defender a liberação do serviço junto a Bolsonaro, segundo
pessoas que participaram das conversas.
Para resolver
os obstáculos na Justiça, a medida visa exigir que as emissoras façam uma
espécie de filtro nas centrais telefônicas para restringir o número de chamadas
por CPF.
Isso para
impedir que o mesmo telespectador possa fazer ligações de diversos números
diferentes, o que é comum, especialmente na telefonia celular em que 80% usam chips
pré-pagos de várias operadoras.
Em
contrapartida pela ajuda, as emissoras terão de recolher impostos e
contribuições para fundos públicos cujos recursos poderão ser usados, por
exemplo, na expansão ou melhoria das penitenciárias. Pelos cálculos iniciais, a
União ficaria com 14% da receita de cada chamada.
No passado,
quando os sorteios eram permitidos e a telefonia ainda era artigo de luxo,
telespectadores se endividaram ao fazerem chamadas em busca de prêmios.
O primeiro
sorteio da Globo foi ar em junho de 1997, durante a luta entre Mike Tyson e
Evander Holyfield. As 2,87 milhões de chamadas renderam R$ 8,6 milhões à
emissora, em valores da época.
No SBT, a
apresentadora Hebe chegou a derrubar a rede da Embratel com o volume de
ligações no sorteio de um Mercedes. Na Copa de 1998, ano da suspensão dos
sorteios pela Justiça, Faustão recebeu mais de 500 mil ligações durante os “500
gols do Faustão”.
Naquele
momento, o país tinha cerca de 16,5 milhões de linhas fixas e a telefonia
celular era incipiente. Hoje, o país tem 272 milhões de linhas móveis e outras
34 milhões fixas.
Representantes
da RedeTV! tentaram convencer Wajngarten de que o projeto dos sorteios seria
uma tábua de salvação para as emissoras.
Também
abordaram assessores do secretário, integrantes da Casa Civil e da equipe
econômica, a quem compete a regulação de jogos e sorteios no país. A conversa,
no entanto, começou pelo presidente.
A expectativa
dos envolvidos nas conversas era que os sorteios estivessem liberados em meados
de janeiro, mas, segundo assessores do governo, o Planalto preferiu aguardar o
desfecho da crise envolvendo Wajngarten.
Como noticiou a
Folha, o secretário, por meio de sua empresa (FW Comunicação), tem contratos
com Record e Band, que recebem verbas da Secom e de outros órgãos do governo.
Agências de
publicidade que atendem o Executivo e a Caixa Econômica Federal também
contratam a empresa de Wajngarten, que faz análise de mídia e monitoramento da
veiculação de anúncios na grade de programação das emissoras.
Além disso, o secretário
direcionou mais recursos da Secom para emissoras aliadas do governo —justamente
aquelas que pediram a volta dos sorteios— do que para a Globo, líder de
audiência.
Os números da
distribuição de recursos da Secom indicam que as distorções no repasse das
verbas foram mais acentuadas na RedeTV!. A emissora é controlada por Amilcare
Dallevo Jr. e Marcelo de Carvalho, defensor da Secom e do governo em suas redes
sociais.
Só na segunda
fase da campanha da Previdência, feita na gestão de Wajngarten e que concentrou
36% da verba da secretaria, a RedeTV! recebeu 4% dos recursos —tendo 1% da
participação na audiência nacional. A Secom pagou R$ 1,1 milhão por essa
participação da emissora. Nas demais concorrentes, o valor pago por ponto
percentual da audiência ficou abaixo de R$ 433 mil.
Durante a
tramitação da proposta, a ex-mulher de Marcelo de Carvalho, a apresentadora
Luciana Gimenez, fez entrevista exclusiva com Bolsonaro e pediu que ele
defendesse as mudanças no regime de aposentadorias.
Recentemente, a
emissora contratou o apresentador Silkêra Júnior, que atuava na TV A Crítica,
em Manaus. As declarações polêmicas do jornalista, sobretudo contra movimentos
de esquerda, têm a simpatia do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP),
filho do presidente.
O Tribunal de
Contas da União analisa se a atividade de Wajngarten fere o princípio
constitucional da impessoalidade e se não configura uso político das verbas
públicas.
A Polícia
Federal investiga as relações do secretário com as emissoras, sob suspeita de corrupção,
peculato (desvio de verbas) e advocacia administrativa (patrocínio de
interesses privados na administração pública).
A proximidade
de Wajngarten com as quatro emissoras não é recente. O secretário começou sua
carreira no SBT e, desde que criou sua empresa, tentava rivalizar com o Ibope,
parceiro tradicional da Globo.
Para isso,
aliou-se à alemã GfK e chegou a fechar contratos com algumas dessas emissoras,
que passariam a utilizar os serviços da nova empresa.
Além da
aferição de audiência, ela faria o monitoramento da veiculação de comerciais na
TV. O projeto ruiu, e a GfK acabou saindo do país.