Em anos eleitorais os trabalhos legislativos ficam mais lentos, aponta
levantamento feito pelo Deltafolha com dados da Câmara. Foi analisada a
produção legislativa dos deputados de 2003 a 2019.
Tanto quando há pleitos municipais como quando há eleições gerais o
número de sessões para análise de projetos cai, no plenário da Casa e nas
comissões permanentes.
Na prática, isso significa que os deputados vêm menos a Brasília durante
o período, ficando focados em suas bases eleitorais durante o pleito.
No plenário, foram feitas 76 sessões deliberativas ao logo do ano de
2018, quando houve eleição para a Casa, o Senado, a Presidência da República e
os governos estaduais e Assembleias.
Já em 2017, quando não houve nenhum tipo de disputa, foram realizadas
120. O número também foi maior em 2019, no primeiro ano da nova legislatura,
quando houve 97 reuniões de votação.
O plenário da Casa é responsável por analisar os principais projetos, já
que é composto pelos 513 membros da Câmara. No entanto, grande parte do
trabalho legislativo é feito nas comissões. E lá também o número de sessões é
reduzido durante os anos em que há eleição.
Anos em que não há disputa nos estados têm uma média de 59 reuniões de
votação nesses colegiados.
O número cai para 41 ao ano durante os pleitos, independentemente de
serem eleições gerais ou, como ocorrerá em 2020, uma disputa para prefeituras e
Câmaras Municipais.
Em 2016, por exemplo, mesmo com o conturbado período do impeachment da
então presidente Dilma Rousseff (PT), o número de deliberativas é muito
inferior ao dos anos não eleitorais da mesma legislatura.
No ano anterior, por exemplo, foram realizadas 132 reuniões, o recorde
da série histórica, analisada desde 2003.
A queda é especialmente expressiva durante os meses que antecedem
diretamente o primeiro turno das eleições. Em 2014, a média nas comissões foi
de 6 reuniões em setembro, contra 79 ocorridas em 2013.
No plenário, em 2018, por exemplo, não houve reunião deliberativa na
Casa no mês de setembro.
Para comparação, no ano anterior foram realizadas 19 sessões no mesmo
período. Em 4 de setembro daquele ano, chegaram a ser convocadas três sessões
deliberativas extraordinárias. Nenhuma, porém, alcançou o quórum mínimo de 257
deputados para a abertura da ordem do dia.
A explicação política para a morosidade dos trabalhos legislativos no
período é que mesmo aqueles deputados que não são candidatos têm interesse nas
disputas locais. Ou seja, neste ano, mesmo aqueles que não tentarão conseguir
prefeituras devem focar a atenção na eleição de aliados.
“A maioria dos deputados de expressão é presidente dos seus partidos nos
estados, ou comanda de alguma forma os diretórios. Por isso, mesmo quando não
são candidatos, é importante que estejam nos estados para alcançar crescimento
do número de vereadores e prefeitos”, diz o presidente do PRB, Marcos Pereira
(SP), que também é o vice-presidente da Câmara.
“Aí, acaba esvaziando o quórum e com pouca gente não é interessante
colocar pautas importantes para votar, porque se corre o risco de perder”,
afirma.
Além do fortalecimento dos partidos, conseguir prefeituras para aliados
é fundamental para boa parte dos congressistas porque é assim que eles
arregimentam suporte para sua própria reeleição —ou mudança de cargo, como uma
disputa de governo do estado— dois anos depois.
“Depende muito do perfil do parlamentar. O que vive de emendas tem uma
relação muito grande com vereadores e prefeitos. Aí, interessa demais reeleger
o prefeito que o apoia”, diz Ivan Valente (PSOL-SP), deputado há sete
legislaturas.
Essa espécie de recesso não é regimental, mas acaba acontecendo por meio
de acordos políticos. Em 2020, líderes apostam que os trabalhos também devem
ficar parados no segundo semestre.
A dinâmica legislativa pode atrapalhar a vida do governo Jair Bolsonaro.
Neste ano, o Executivo tentará aprovar na Câmara projetos considerados
prioritários da agenda econômica, como as reformas tributária e administrativa.
O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer acelerar a tramitação
das propostas para que elas sejam apreciadas ainda neste primeiro semestre, mas
o calendário já está atrasado: a tributária começou a tramitar em comissão na
quarta-feira (4) apenas, e a administrativa nem sequer foi enviada ao
Congresso.
“Se o governo tivesse conseguido construir uma base, talvez fosse
possível conciliar as duas coisas, o interesse do governo com o eleitoral. Mas,
sem isso, os deputados vão buscar o que é de interesse imediato deles, que são
as redes nas bases”, diz o sociólogo e cientista político da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando.
Segundo ele, embora a sociedade esteja mais conectada por meio das redes
sociais, boa parte da política ainda é o aperto de mão entre aliados, o
encontro com eleitores etc. Por isso, os deputados param de voar para Brasília.
“Historicamente, a semana começa na terça e termina na quinta [no
Congresso]. Por que segunda e sexta costumam ser dias mais mortos? Justamente
porque esses políticos estão indo e voltando para os seus estados”, diz Prando.
“E, em ano eleitoral, em que a disputa está acirrada, eles precisam
estar geograficamente próximos do seu eleitorado”, afirma.
Mesmo quando há sessões, os deputados não comparecem.
A média de faltas da Casa sobe de 30% para 36% durante os anos
eleitorais. Em anos de disputa por cargos, o número de faltas por votação (em
que se leva em conta cada item votado, e não a presença apenas do deputado no
início da sessão) chega a 38% em setembro, contra 30% em um ano normal.
Outra atividade que diminui durante os anos em que há eleição é a
apresentação de projetos.
Em média, em um ano sem disputa eleitoral, são apresentadas 214
proposições por dia útil. Já nos anos com disputas nas urnas, o número cai para
147 por dia.
A explicação pode estar na própria lógica de funcionamento da Câmara: a
apresentação de projetos não está necessariamente relacionada à aprovação
destes textos.
Em muitos casos, ao apresentar a proposta, o deputado está fazendo um
aceno para sua base, mesmo que a ideia seja inviável ou não haja apoio naquele
momento para que ela prospere. No ano eleitoral, em que ele já está mais
próximo dela, se torna um artifício menos útil para a prestação de contas.