A aprovação da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) pelo Congresso na semana passada jogou luz
sobre o modo como é feita a distribuição de dinheiro público aos partidos no
País.
Apesar
da repercussão negativa, por ter sido discutida em meio à crise sanitária, o
volume dos recursos que os parlamentares destinam às próprias siglas é, há
tempos, sem precedentes quando comparada com a realidade de outras democracias.
Um
estudo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que reuniu dados de
35 nações entre 2012 e 2020, aponta que o Brasil é o país que mais envia
dinheiro público para partidos e campanhas políticas. Juntas, as siglas
brasileiras recebem, em média, US$ 446 milhões por ano (R$ 2,2 bilhões) dos
fundos eleitoral e partidário. No ano que vem, quando serão realizadas as
eleições estadual e federal, o montante será de R$ 5,7 bilhões graças à LDO.
A
cifra, sem descontar a inflação, representa um aumento de 185% em relação ao
valor que os partidos obtiveram em 2020 para as disputas municipais, o
equivalente a R$ 2 bilhões. É, também, mais que o triplo do que foi destinado
às eleições de 2018, quando foi distribuído o montante de R$ 1,8 bilhão.
No
ranking dos países que mais gastam com o sistema partidário, o México vem em
segundo lugar, com US$ 307 milhões (R$ 1,5 bilhão) - aproximadamente quatro
vezes menos do que o Brasil gastará no ano que vem somente com o fundo
eleitoral. Ao excluir o primeiro colocado, a média da amostra cai para US$ 65,4
milhões (R$ 323 milhões), o equivalente a 14% do que o Estado brasileiro
investe na manutenção e organização eleitoral dos partidos.
“Estamos
usando recursos públicos em demasia em comparação com o resto do mundo para o
dia a dia da política, em vez de estar investindo diretamente em bens públicos.
A quantidade de recurso é finita, quando você usa muito para determinado fim,
acaba faltando para outras coisas”, disse o autor da pesquisa, Luciano Irineu
de Castro, do Impa.
Até
o mês passado, os partidos com representação no Legislativo Federal receberam
R$ 489 milhões do Fundo Partidário. Donos das maiores fatias do bolo, PSL e PT,
as duas siglas com maior representação na Câmara dos Deputados, receberam, respectivamente,
R$ 57 milhões e R$ 48,7 milhões no primeiro semestre de 2021. Em 2022, as
legendas devem ter R$ 600 milhões cada para construir suas campanhas com
recursos do fundo eleitoral - mais que o dobro recebido em 2020.
O
PSL estuda lançar o apresentador e jornalista José Luiz Datena como candidato à
Presidência, enquanto os petistas apostam na provável candidatura do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para
o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, é “razoável” o nível dos
recursos repassados aos partidos quando considerada a quantidade de filiados
políticos com potencial de candidatura. Em abril deste ano, cerca de 16,2
milhões de pessoas estavam com filiação ativa em alguma legenda. Na eleição
municipal de 2020, no entanto, apenas 556 mil pessoas concorreram aos cargos de
prefeito, vice-prefeito e vereador.
“O
financiamento público devolveu ao povo brasileiro os deputados e senadores.
Somos suspeitos de falar a respeito, por sermos um grande partido, mas, na
verdade, o que se deve discutir é a oportunidade para que todos os candidatos
tenham chance de dizer quem são e quais seus projetos”, disse Bivar.
“E,
se considerarmos a divisão do fundo por centenas, milhares de candidatos, o
resultado é razoável. Caso contrário, só haverá dois partidos: o do presidente
e o dos governadores. Os demais não sobreviverão com dinheiro de doações
individuais.”
Cidadania,
PSOL, Podemos e PSL foram os únicos a apoiar a mobilização feita pelo Novo para
rejeitar o fundo de R$ 5,7 bilhões incluído na votação da Lei de Diretrizes
Orçamentária (LDO) no Congresso, na quinta-feira. O partido de Bivar, porém, só
aderiu ao movimento restando 15 minutos para o fim da votação.
O
deputado Paulo Pimenta (PT-RS) usou as redes sociais na tentativa de ironizar o
fato de deputados bolsonaristas, em sua maioria do PSL, defenderem o fim dos
privilégios dos políticos, mas terem votado a favor da LDO. “Todos os
bolsonaristas votaram a favor de triplicar o Fundo Partidário. O PT votou
contra. Logo eles que estufavam o peito para dizer que a mamata acabou”,
escreveu Pimenta.
A
relação, no entanto, é falsa. O texto aprovado no Congresso não se restringe ao
fundo eleitoral, como o deputado deu a entender. O PSL votou a favor da LDO,
mas se opôs à emenda que aumentou os recursos dos partidos. O PT fez o caminho
inverso: votou contra o texto final, mas não apoiou a iniciativa do Novo.
“O
PT sempre defendeu o financiamento público como forma de reduzir a influência
do poder econômico no processo democrático, no mesmo sentido da decisão do STF
que proibiu as doações de empresas a candidatos”, disse a assessoria de
imprensa da sigla. O partido faz referência à decisão proferida pelo plenário
do Supremo Tribunal Federal, em 2015, que proibiu as empresas privadas de doar
para campanhas, como forma de reduzir as negociatas pré-eleitorais.
“O
PT também defende que deve ser democrática e transparente a definição dos
valores e dos critérios de acesso a estes recursos, o que no Brasil cabe ao
Congresso Nacional, enquanto a fiscalização de seu uso é feita praticamente
online pela Justiça Eleitoral. É uma experiência nova no país, sujeita ao
debate e à crítica, mas certamente melhor e mais equilibrada para os partidos e
o processo eleitoral”, afirmou.
Marcelo
Issa, diretor executivo da Transparência Partidária, avaliou que, além de
empenhar valores bilionários para financiar os partidos, o Brasil dispõe de
poucos mecanismos para checar a forma como o dinheiro público é gasto. Ele
prega que a Lei de Acesso à Informação também seja aplicada às siglas.
“Antes
de discutir o volume dos recursos, é preciso discutir o nível de transparência
e o que se faz com os recursos. Até uma discussão sobre a adequação desse
montante fica comprometida na medida em que é difícil conhecer com precisão o
destino dos recursos”, afirmou. “A gente precisa caminhar para um sistema
eleitoral que reduza os custos de campanha sem prejuízo à qualidade do debate e
ao acesso à informação para que o eleitor possa formar sua convicção de modo
adequado.”
O
diretor executivo da Transparência Partidária destacou que, desde fevereiro, há
um processo de revisão de todas as regras referentes a partidos políticos e
eleições. “A gente corre o risco concreto de chegar a outubro com o sistema
eleitoral completamente reformulado. Incluir nesse debate a majoração
expressiva dos valores do fundo eleitoral-partidário não é justo com a
população. Não é justo, adequado e transparente”, completou.
Issa
apontou a cláusula de barreira como um horizonte para a redução dos gastos com
os partidos. Aprovada na minirreforma eleitoral de 2017, esse dispositivo impõe
novas regras de acesso dos partidos aos recursos do Fundo Partidário e limita o
tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão de acordo com o
nível de representação das siglas na Câmara dos Deputados. A norma é temida por
partidos pequenos, que tendem a desaparecer com o endurecimento gradual das
exigências.
“Na
medida em que você tem menos estrutura partidária funcionando de modo
permanente na sociedade, é claro que deveria haver uma redução do ponto de
vista dos gastos cotidianos para o funcionamento do sistema partidário”,
argumentou. O pesquisador Luciano Irineu de Castro destacou que o alto número
de partidos pressiona o sistema eleitoral por mais recursos, ao mesmo tempo em
que a disponibilidade de cifras milionários estimula a criação de legendas.
Correio Braziliense