Muito prazer na leitura, nos estudos e notas altas na escola. Pensamento rápido e apurado, vocabulário amplo, talento para resolver equações, criatividade extrema, raciocínio avançado, foco e atenção preciosos e alta sensibilidade. Essas são algumas das características das crianças superdotadas, que comemoram hoje (10) o Dia Internacional da Superdotação. Habilidades incluem aptidão para atividades intelectuais, artísticas ou esportivas que parecem ser inatas, uma vez que essas pessoas apresentam tais características sem que se possa explicar como aprenderam.
No Brasil, de acordo com o Censo Escolar 2020, há 24.424 estudantes com perfil de altas habilidades/superdotação matriculados na educação especial, mas o número real pode ser ainda maior.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que 5% da população têm algum tipo de alta habilidade ou superdotação. Segundo o Ministério da Educação (MEC), se forem considerados os mais de 47 milhões de alunos da educação básica (Censo Escolar, Inep 2020) cerca de 2,3 milhões de estudantes devem compor esse grupo.
O índice de identificação desse segmento ainda é baixo no Brasil, ou seja, acredita-se que existem muitos mais estudantes com altas habilidades ou superdotação do que o número geralmente revelado no Censo Escolar. “Esse é o principal desafio para a área na Educação Especial: identificar precocemente esses estudantes e oferecer atendimento adequado, com serviços e recursos especializados”, informou em nota o MEC.
O teste de quociente de inteligência (QI) não é o único meio para identificar uma criança superdotada, há diferentes métodos, mas algumas caracteristicas já podem apontar altas habilidades e/ou superdotada, explica o psicólogo Alexander Bez, profissional com especializações em saúde mental nas universidades de Miami e da Califórnia.
“As características das crianças superdotadas são bem diferenciadas. A habilidade em aprender rápido é sempre incontestável. Elas têm facilidade em desenvolver um vocabulário mais amplo, maior interesse no aprendizado, como também em assuntos gerais”.
O teste de QI é uma escala que ajuda a avaliar e comparar a habilidade de diferentes pessoas em algumas áreas do pensamento, como matemática básica, raciocínio ou lógica, por exemplo. Crianças acima de 140 QI são superdotados e crianças acima de 180 QI são consideradas gênio.
De acordo com o especialista, outras características podem indicar alto potencial em crianças: capacidade inicial de ler, aprender e compreender as coisas rapidamente, pode ficar intensamente absorvido em tópicos de interesse, ao mesmo tempo em que fica alheio aos eventos ao redor, observação aguçada, curiosidade e tendência a fazer perguntas, desenvolvimento precoce de habilidades motoras (por exemplo, equilíbrio, coordenação e movimento), capacidade de pensar abstratamente, mostrando sinais de criatividade e inventividade, encontra alegria em descobrir novos interesses ou apreender novos conceitos, uso inicial de vocabulário avançado, retenção de variedade de informações, mostra independência, autossuficiência e responsabilidade na realização de tarefas e capacidade de visualizar situações de perspectivas variadas e explorar abordagens alternativas.
No país, a Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação realiza essa triagem. Outro local que também trabalha nessa identificação é a social edtech CogniSigns, com atuação alinhada aos determinantes sociais da saúde.
O Conselho Brasileiro para a Superdotação (ConBraSD) considera que testes psicométricos, como a aplicação do WISC IV para a aferição do QI, inventários de características, observação do comportamento, entrevistas com a família e professores, assim como alguns testes informais para estabelecimento de vínculo entre avaliador e avaliado, são alguns exemplos de procedimentos que podem ser adotados. Mais informações sobre superdotação estão no e-book 10 perguntas e respostas do ConBraSD.
A composição do
público da educação especial encontra-se definida em diversos marcos
legislativos, entre os quais a Lei de Diretrizes e Bases (Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Art. 58). Entende-se por educação
especial a modalidade oferecida preferencialmente na rede regular de
ensino para educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Por meio de recursos e
serviços especializados, a educação especial promove ações que visam a atender
às demandas de seu público, bem como apoiar os sistemas de ensino no
atendimento educacional especializado.
Segundo informou o
Ministério da Educação, as altas habilidades ou superdotação são evidenciadas
em qualquer lugar, mas, no caso dos estudantes que
apresentam características na escola, são consideradas suas
habilidades acima da média, o envolvimento com a tarefa, sua criatividade,
o ritmo de aprendizagem, a qualidade dos produtos que apresentam para
evidenciar a aprendizagem, assim como o modo como se relacionam
interpessoalmente.
O processo de
identificação geralmente é feito pela escola, contando com a participação dos
técnicos da educação especial, que atuam na sala de recursos, dos demais
profissionais da escola, das equipes multiprofissionais e dos técnicos do
Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAHHS), quando o
sistema de ensino tem a disponibilidade desse núcleo.
O processo
começa com a indicação das altas habilidades ou superdotação do aluno,
quando são percebidas pela família, pelos professores, pelos colegas ou pelo
próprio estudante.
A avaliação é
feita por equipe multidisciplinar e compreende aspectos cognitivos,
acadêmicos, sociais e emocionais, entre outros. O processo de identificação tem
duração variável, podendo chegar até mesmo a um ano; ao final, é emitido
um relatório comprovando a identificação e referenciando as áreas de altas
habilidades ou superdotação do estudante.
Segundo informou a
pasta, “espera-se que o estudante seja inserido em programas oferecidos pelo
próprio sistema de ensino, como o atendimento em sala de recursos ou mesmo no
Núcleo de Altas Habilidades. Há também localidades que dispõem de programas
oferecidos por iniciativa da sociedade civil ou por instituições de ensino
superior, para atendimento a esse público”.
A família pode
buscar fora da escola o processo de identificação por meio de profissionais
especializados. Ao ser identificado, o estudante deverá receber o acompanhamento
com recursos e serviços de educação especial, a fim de que o seu potencial seja
valorizado e para que não se sinta desmotivado em sua trajetória
acadêmica.
Na opinião do
psicólogo Alexandre Bez, estudar em uma escola especial não é necessário para
esses estudantes, embora seja estimulante. “Uma criança superdotada geralmente
vai atrás de seus objetivos. Mas, psicologicamente, possuir pares
equivalentes sempre confere uma qualidade a mais para que estímulos
específicos possam ser desencadeados. As crianças superdotadas são
intelectualmente diferenciadas. Dessa forma, ter pares especiais com o mesmo
talento nato ajuda a aumentar os desafios, impulsionando os talentos naturais
que elas já possuem”.
Superdotado
Os pais do
estudante Pedro, hoje com 9 anos, tiveram ajuda da escola em que o garoto
estudava para confirmar sua inteligência avançada. “Pedro sempre
demonstrou interesse pelos estudos, aprendeu a ler e escrever aos 4 anos de
idade, ainda na educação infantil. Quando ele tinha 7 anos, fui convidada a
participar de uma reunião com os pedagogos e professores da escola para
conversarmos a respeito da inteligência avançada do Pedro”, contou a mãe, a
pedagoga Fernanda Iara Gonzalez.
A escola indicou um
auxílio oferecido pela prefeitura São José dos Campos (SP), onde mora a
família, para crianças com traços de autodidata. “Porém, com o início da
pandemia não conseguimos esse acompanhamento”, lamentou Fernanda.
Atualmente, Pedro
não está em uma escola especial para superdotados, mas os pais o
transferiram para outra instituição. “Mudamos ele de escola para melhor
aproveitamento e acompanhamento. Ele estudava em escola municipal, hoje estuda
em ensino particular”, acrescenta.
Desvantagens
Dependendo do
universo em que a criança vive e sua diferenciação, eventuais
manifestações depressivas podem ser recorrentes, alerta o psicólogo. “Sem ter
um preparo especial, essa criança pode ter problemas também de colocação
profissional, por isso é importante o apoio familiar. Sem apoio, ela pode ficar
desmotivada e perder o interesse em certas coisas, como também por
ser superdotada – pode haver incongruências nas amizades, principalmente no que
tange à faixa etária e ao grupo social em que vive”.
Além disso, o
perfeccionismo pode trazer componentes emocionais negativos à vida da criança.
“A pressão em lidar com as expectativas dos pais pode ser bem
contraproducente. Eles também podem ter intensa sensibilidade, pela
falta de amigos compatíveis com a sua esfera intelectual, o que pode gerar
dificuldade ao se agrupar socialmente. Essa situação pode gerar conduta de
autoisolamento. Outros pontos podem ser timidez excessiva e dificuldade para
relacionamentos íntimos-conjugais”, diz Bez.
Segundo os pais de
Pedro, com o início da pandemia o garoto ficou mais ansioso. “Ele já era
uma criança extremamente ansiosa, teve seu quadro intensificado e, em alguns
momentos, tivemos muita dificuldade para ajudá-lo. Mostrou também dificuldade
de lidar com seus próprios sentimentos e emoções. Por sorte, ele é muito
tranquilo, amoroso e educado, o que ajuda bastante a dialogarmos”.
A família tem dado
muito apoio à criança. “Além da mudança de escola, Pedro, eu e o pai [o
supervisor de produção Rafael Mariano Nogueira] fazemos acompanhamento com
terapeuta, o que tem nos ajudado bastante a compreender a diferença de
raciocínio e o tempo dele em relação a tudo. Assim conseguimos ajudá-lo com
mais consciência nesse processo de autoconhecimento, para que consiga ter maior
domínio em relação às expectativas e descobertas, já que ele tem apenas 9 anos”,
afirma Fernanda.
Apoio familiar
Ao ter uma criança
diagnosticada com superdotação, a compreensão da família é necessária para
proporcionar todo o apoio e atenção. “O apoio da família é essencial. Não se
escolhe ser gênio ou superdotado diferenciado, se nasce. Esse apoio familiar
será altamente motivador, coibindo todas e quaisquer frustrações que poderiam
aparecer”, reforça o psicólogo.
Nesse sentido, a
presença da família, em especial, as ações do pai e da mãe, têm que ser sempre
incentivadoras e motivacionais, como também apoiadoras. “A prevalência da
harmonia no lar é fundamental para a criança ter uma ambiente saudável,
sem estresse”, diz o especialista.
Mesmo com apenas 9
anos, Pedro já diz qual carreira pretende seguir. “Ele sempre demonstrou
interesse e facilidade pela área de informática e engenharia. Mesmo sendo muito
novo, fala que essas são suas opções para seguir carreira”, conta a mãe.
PNEE para crianças
superdotadas
O governo federal
lançou em 2020 a nova Política Nacional de Educação
Especial para ampliar o atendimento educacional
especializado a mais de 1,3 milhão de educandos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Por meio da PNEE,
os sistemas de ensino estaduais e municipais poderão receber apoio para
instalar salas de recursos multifuncionais ou específicas, dar cursos de
formação inicial ou continuada de professores, melhorar a acessibilidade
arquitetônica e pedagógica nas escolas, e ainda criar ou aprimorar centros de
Serviço de Atendimento Educacional Especializado. A adesão de estados e
municípios é voluntária.
O Decreto nº 7.611/2011
estabelece que os sistemas de ensino que tenham estudantes com altas
habilidades ou superdotação, matriculados em classes comuns e em salas de
recursos, onde participam do atendimento educacional especializado no
contraturno, já recebem duplamente o valor relativo ao financiamento da
educação, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Outro programa
fundamental é a Formação Continuada de Professores e Profissionais de Educação
na área da educação especial. O MEC constantemente desenvolve cursos, em
parceria com instituições federais de ensino, envolvendo as diversas áreas,
inclusive as altas habilidades ou superdotação visando à formação continuada de
docentes da educação básica. O MEC também apoia técnica e financeiramente
estados, o Distrito Federal (DF) e municípios para a oferta de cursos de
formação continuada de professores, por iniciativa dos entes federados, no
âmbito do Plano de Ações Articuladas, em busca das metas pactuadas no Plano
Nacional de Educação.
Há também o
Programa Sala de Recursos Multifuncionais, cujo principal objetivo é a
aquisição de materiais didáticos e pedagógicos, equipamentos de
tecnologia para as salas de recursos (atualmente são mais de 31 mil
salas), para atender às especificidades pedagógicas dos estudantes da Educação
Especial, matriculados nas escolas públicas das redes estaduais, do DF e
municipais. No ano de 2020 foram destinados R$ 254 milhões para compor novas
salas de recursos ou equipar as existentes.
Também o Programa
Escola Acessível, implementado no âmbito do Programa Dinheiro Direto na
Escola, busca promover condições de acessibilidade não apenas ao ambiente
físico, mas, aos recursos didáticos e pedagógicos e à comunicação e informação
nas escolas públicas de ensino regular. Em 2021, o aporte previsto é de R$ 100
milhões, que serão empenhados para beneficiar cerca de 4,5
mil escolas.