Depois de quase um ano e
meio de pandemia, o estado de alerta constante imposto ao mundo pela Covid-19
tem na variante Delta do vírus a sua maior preocupação sob o temor de uma
terceira onda de contágios. Mais transmissível que as demais variantes, mais
fácil de ser confundida com um resfriado comum e mais resistente às vacinas
atuais, a cepa identificada na Índia já é dominante na Europa e nos Estados
Unidos, enquanto dá os seus primeiros passos dentro do território brasileiro.
De acordo com o Ministério da Saúde, são 135 casos no País, que
ainda está traumatizado com o efeito devastador da variante Gama (P.1.
identificada em Manaus), hoje predominante no Brasil e que nos fez chegar ao
patamar de quatro mil mortos por dia, em abril deste ano. Em países como a
França, o número de casos diários, propulsionado pela Delta, mais que dobrou
nas duas últimas semanas. No continente europeu como um todo, o aumento, de
acordo com dados oficiais dos governos, é de 26%.
OMS em alerta
Numericamente, as mortes e internações seguem sob controle, mas
há temor da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que a rápida disseminação do
vírus gere uma nova escalada caótica no continente. A expectativa de
especialistas é que a variante se torne, em setembro, responsável por 90% dos
casos na Europa. Nos EUA, dados oficiais revelam crescimento superior a 60% no
número de infectados entre as duas últimas semanas. Por lá, 83% dos casos
já são causados pela variante indiana.
Gama x Delta
No Brasil, a predominância da Delta dependerá do seu sucesso no
“embate” com a variante Gama e indicará o rumo da pandemia no País. Caso a
Delta consiga prevalecer, a tendência é de uma nova explosão de casos.
Ontem, o Governo de Pernambuco divulgou um estudo do Instituto
Aggeu Magalhães, realizado entre abril e junho, que analisou 147 amostras
biológicas e mostrou que, em 98% dos casos analisados, o vírus da variante
ainda é o Gama. Diante do risco de agravamento da pandemia trazido pela
variante Delta, o coordenador do comitê científico do Consórcio Nordeste,
Sergio Rezende, destaca que a principal arma é a vacinação. “Na Europa, mesmo com
a nova variante, o número de casos cresce, porém o número de mortes não cresce,
justamente por conta das vacinas”, diz.
Essa necessidade também é enfatizada pelo infectologista Raphael
dos Anjos. “A vacinação precisa ainda de uma maior celeridade no seu ritmo para
poder alcançar a maioria da população o quanto antes. Dessa forma poderemos
impedir a cascata de transmissão”, sublinha Raphael. Ele frisa que, apesar das
pesquisas em andamento que indicam diferentes potenciais de proteção entre as
vacinas disponíveis no Brasil, qualquer imunizante ajuda no enfrentamento da
cepa indiana.
“Fica nítido que a administração de qualquer vacina conhecida
apresenta um efeito protetor muito superior quando comparado com a população
que ainda não foi vacinada”, afirma, acrescentando que uma eventual terceira
dose pode ser necessária “para termos uma imunização Sergio Rezende pondera
que, caso a vacinação siga avançando, uma possível terceira onda pode não ser
tão letal quanto a segunda, gerada pela Gama . “A vacinação, mesmo lenta,
avança. Os estados do Nordeste, por exemplo, já vacinaram mais de 30% da
população com a primeira dose. Acho que a terceira onda, caso ocorra, deve ser
mais fraca”, afirma Rezende. Ele frisa, porém, que os estados do consórcio
receberam a recomendação de “não baixar a guarda”.
Cuidado e testagem
O Secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, enfatiza que
“todos os cuidados devem ser tomados independentemente do tipo de variante”. “É
a mesma pandemia, a pandemia não acabou. A Gama ainda é uma variante perigosa,
temos pacientes internados em UTI e precisamos estar atentos e tomar cuidado e
trabalhar no sentido de conter eventuais descobertas de caso, cuidar dos
contatos. Foi isso que fizemos no navio (Shoveler) com os filipinos, estamos
monitorando e não há nenhum caso detectado pela variante Delta em um
pernambucano”, frisou.
Entre os 41 profissionais de saúde que tiveram contato com os
tripulantes, não houve registro da variante Delta. Entre os tripulantes
infectados com a variante, um foi a óbito, um já teve alta (após ser curado da
variante Delta), e o terceiro está estável na enfermaria.
Justamente visando combater a disseminação de novas cepas
em Pernambuco, sobretudo a Delta, o Governo vai investir na compra de 1,4
milhão de testes rápidos de antígeno. De acordo com Longo, os exames
serão distribuídos para todos os municípios para que possam ser usados na
atenção primária.
Impactos de todos os tipos
No Reino Unido, a fase final da Eurocopa ocorreu em clima de
quase “normalidade”. Na semana passada, o governo suspendeu quase todas as
restrições sanitárias, mas o número de casos voltou a crescer. O cônsul de
Malta em Recife e coordenador do curso de Ciência Política da Universidade
Católica de Pernambuco Thales Castro, afirma que a variante Delta traz mais um
ingrediente de incerteza ao cenário global atual. Na Europa e nos EUA, por
exemplo, ele enxerga a possibilidade do verão não ter o desfecho econômico de
“retomada” da economia e da normalidade como planejado.
“Quando a indefinição reina, restrições vão ocorrer, e há muita
incerteza em relação à variante Delta. Acredito que 2021 será ,praticamente, um
ano perdido. A expectativa mais realista é que a retomada possa ocorrer ao
longo do primeiro semestre de 2022”, pontua. “O impacto disso é a perda de
receita fiscal, declínio do PIB, desemprego crescente e obviamente o desalento
no campo psicoemocional de todas essas populações. A variante Delta vem para
destruir mais ainda essa que era a perspectiva que a gente visualizaria de
retomada”, acrescenta Thales.