A Vale apresentou recurso na Justiça do Trabalho contra a
decisão que fixou indenização de R$ 1 milhão por danos morais para cada
empregado da mineradora que morreu na tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais.
A sentença de primeira instância, publicada no início do mês
passado, contemplou 131 funcionários. A mineradora alega, no entanto, que o
valor é "absurdo" e "exorbitante" e que é
"astronômico" o total de R$150 milhões arbitrado na decisão. "O
valor da condenação é exorbitante, sobretudo quando analisados os valores
comumente fixados pelos tribunais em casos nos quais se requer indenização por
danos morais decorrentes da morte de trabalhadores", registra o recurso
protocolado ontem (5). "Ainda que mantido o absurdo importe de R$ 1 milhão
por vítima, o valor da condenação há de ser reduzido para, no mínimo, R$ 120
milhões", acrescenta a peça de 96 páginas.
A tragédia ocorreu em 25
de janeiro de 2019, com o rompimento de uma barragem da Vale situada na Mina Córrego
do Feijão, e causou devastação ambiental, destruição de comunidades e 270
mortos. A maioria das vítimas eram trabalhadores da própria mineradora ou de
empresas terceirizadas contratadas para prestação de serviço. Nesse processo,
porém, estão contemplados apenas os contatados diretamente.
A ação foi movida pelo Sindicato Metabase Brumadinho. A sentença
do mês passado é inédita em processos judiciais envolvendo a tragédia. Até
então, a Justiça havia estipulado, em outros processos, valores para reparar
danos morais causados a alguns familiares dos mortos. Desta vez, o Tribunal
Regional do Trabalho (TRT-MG) reconheceu que os próprios trabalhadores que
foram a óbito também sofreram danos morais que precisam ser indenizados.
Conforme a sentença, os valores devem ser destinados aos espólios das vítimas e
a seus herdeiros.
"Como poderia o de cujus [pessoa morta], humanamente,
externar o que se passou na mente, no coração, se se passou tudo ou se nada se
passou? Se se recordou os filhos, das preocupações específicas, dos planos de
vida, da família? Se, nos segundos, minutos, poucas horas, se no tempo
transcorrido entre o primeiro golpe do dano que o levaria à morte até o último
suspiro, provou das repercussões decorrentes da reação pela sobrevivência até a
angustia da aceitação da morte certa? Por outro lado, o ofensor repousa
comodamente no silêncio sepulcral (aqui, literalmente) que ele próprio
provocou, deleitando-se da própria torpeza", escreveu a juíza Viviane
Célia Correa.
Além de considerar que não há razoabilidade e proporcionalidade
nos valores, a defesa da mineradora sustentou que o "dano morte" não
existe na legislação civil brasileira e que o dano moral não se transmite por
herança. "Ninguém tem legitimidade para pleitear indenização em nome do
ofendido que faleceu antes do ajuizamento da respectiva ação, nem mesmo os
herdeiros", registra o recurso. A peça lista 21 nomes que não estariam
legitimamente abarcados pela representação do Sindicato Metabase Brumadinho.
Registra ainda que a manutenção da sentença poderá gerar grave prejuízo, impactando
no arbitramento de honorários advocatícios e promovendo enriquecimento sem
causa do autor da ação. "Fosse possível falar em indenização por dano
morte, jamais se poderia aceitar o valor exorbitante arbitrado pela
sentença", reitera a peça.
Ao fixar o valor, a magistrada fez registro dos lucros da Vale.
No ano passado, os ganhos da mineradora foram superiores a R$ 24,9 bilhões.
Viviane também considerou a reincidência, lembrando do rompimento da barragem
que causou a morte de 19 pessoas em 2015, na cidade de Mariana (MG). A
estrutura era de responsabilidade da Samarco, uma joint-venture da Vale e da
BHP Billiton. A mineradora refutou a associação, afirmando que a Samarco detém
personalidade jurídica própria e não pode ser confundida com seus acionistas.
A defesa da Vale sustentou ainda que os riscos de rompimento da
barragem de Brumadinho não eram conhecidos. Além disso, recorreu ao Decreto
8.572/2015 para sustentar a impossibilidade de responsabilização da ré. A
mineradora, no entanto, já foi condenada pela tragédia na esfera cível em um
processo em que não negou ter responsabilidade pelos danos causados. Na
sentença de julho de 2019, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)
determinou que todos os prejuízos fossem reparados, e a Vale inclusive relatou
que estava realizando um amplo estudo para diagnosticar todos os impactos
decorrentes do rompimento da barragem. Além disso, na esfera penal, a empresa é
ré em um processo criminal decorrente de denúncia em que o Ministério Público
de Minas Gerais (MPMG) aponta responsabilidade da mineradora.
O decreto citado no recurso não faz qualquer menção à
impossibilidade de responsabilização de mineradoras em rompimentos de
barragens. Ele foi editado pelo governo federal oito dias após a tragédia de
Mariana em benefício das vítimas, com o intuito de permitir o resgate de
recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Pela legislação, é
possível realizar o saque de uma parcela em caso de "necessidade pessoal,
cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural". Assim, o decreto
incluiu no rol dos desastres naturais o "rompimento ou colapso de
barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades
residenciais".
Posicionamentos
O advogado Maximiliano Garcez, que representa o Sindicato Metabase Brumadinho,
disse que a indenização fixada pela sentença corresponde apenas a nove horas de
lucro da Vale, considerando os ganhos de R$ 30,5 bilhões referentes ao primeiro
trimestre deste ano anunciados pela mineradora. “O ato da empresa de recorrer
de condenação em valor diminuto, especialmente se comparado com seus lucros,
demonstra profunda insensibilidade", acrescentou.
Por sua vez, a Vale disse, em nota, estar comprometida em
indenizar as famílias das vítimas da tragédia de forma rápida e responsável.
"As indenizações trabalhistas têm como base o acordo assinado entre a
empresa e o Ministério Público do Trabalho (MPT), com a participação dos
sindicatos, que determina que pais, cônjuges ou companheiros (as), filhos e
irmãos recebam, individualmente, indenização por dano moral. Desde de 2019,
foram firmados 681 acordos trabalhistas, envolvendo mais de 1,6 mil familiares
de vítimas", diz o texto.
O acordo mencionado foi firmado entre a mineradora e o MPT em
julho de 2019. Ficou estabelecido que pais, cônjuges ou companheiros e filhos
dessas vítimas receberiam, individualmente, R$ 500 mil por dano moral. Já os
irmãos receberiam R$ 150 mil cada um. Além disso, a título de dano material, a
Vale deve pagar uma pensão mensal para os familiares que dependiam financeiramente
da vítima. O acordo assegura que dependentes de cada morto não devem receber
menos que R$ 800 mil, ainda que o cálculo fique abaixo desse valor. Também são
previstos pagamentos de seguro adicional por acidente de trabalho, dano
material, auxílio creche, auxílio educação e plano de saúde.
Os valores são inferiores ao que previa um estudo interno da própria Vale que foi apreendido pelo MPMG no curso das investigações sobre a tragédia. O estudo calculava a indenização em quase R$ 10 milhões por morto. A adesão ao acordo, no entanto, é opcional. Nem todas as famílias aceitaram os valores e algumas delas optaram por mover processos.
Indenizações
O pagamento das indenizações da tragédia de Brumadinho está atrelado a
diferentes ações judiciais e tratativas extrajudiciais. Em fevereiro, um acordo
global de reparação no valor de R$37 bilhões foi selado entre a Vale, o governo
de Minas Gerais, o (MPMG, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria
Pública do estado. Esse montante, no entanto, diz respeito apenas à indenização
de danos coletivos. Foram previstos diversos projetos que incluem programas
para transferência de renda e atendimento de demandas comunitárias,
investimentos socioeconômicos, ações de recuperação socioambiental, medidas
voltadas para garantir a segurança hídrica, melhorias dos serviços públicos e
obras de mobilidade urbana, entre outras.
Esse acordo não abrange as indenizações individuais e trabalhistas, que são discutidas separadamente. Além das negociações com o MPT para indenização dos familiares de funcionários que morreram, a Vale desenvolveu tratativas para pagamentos aos empregados sobreviventes. A mineradora e seis sindicatos firmaram acordos que foram homologados em abril do ano passado pelo TRT-MG. Deverão ser pagos até R$ 250 mil por danos morais e materiais a cada um dos funcionários, sejam eles da Vale ou de empresas terceirizadas que atuavam na Mina Córrego do Feijão. O maior valor é para os que estavam trabalhando no momento do rompimento da barragem.
Na esfera cível, há parentes de mortos que não trabalhavam na mina que têm optado por mover ações individuais. Em um dos processos, o TJMG fixou em setembro de 2019 o valor de R$ 11,8 milhões de indenização por danos morais a quatro parentes (pais e irmãos) de Luiz Taliberti, a irmã Camila Taliberti e a esposa dele, Fernanda Damian, grávida de cinco meses. Eles estavam hospedados na Pousada Nova Estância, que foi soterrada pela lama de rejeitos.